O cassino flutuante que desafiou a lei seca

Há um fenômeno meteorológico que consiste em uma corrente irregular de águas mornas que viaja em direção leste através do Oceano Pacífico. Trata-se da corrente “El Niño”, que geralmente se manifesta na forma de secas e inundações, e que também traz muitos problemas ao meio ambiente e às comunidades que as sofrem. Mas às vezes, embora sejam poucas, ele traz uma surpresa de presente. Foi o que aconteceu recentemente em Coronado Beach, San Diego, Califórnia.

Devido à influência do “El Niño”, as marés recuaram muitos metros em seus ciclos, revelando algo completamente inesperado. Nada menos que um naufrágio não muito antigo, mas igualmente meio esquecido, cujos restos enferrujados se destacam das areias molhadas, como se tentassem escapar delas para testemunhar o que foi sua vida. Uma história realmente curiosa que terminou em 1937, quando uma forte tempestade desencadeada no dia de ano novo quebrou suas amarras e o arrastou para a praia mencionada, onde encalhou.

Era o SS Monte Carlo, que ali ficou para sempre paralisado, em frente ao que hoje é conhecido como “El Camino Tower”, pertencente aos apartamentos Coronado Shores. Ninguém nunca tentou resgatá-lo. Na verdade, sua propriedade também nunca foi reivindicada. O Monte Carlo foi abandonado ao seu destino, ao que os elementos e a passagem do tempo, que são agentes implacáveis, quiseram fazer dele. Assim, todo seu corpo morto foi rachando pouco a pouco diante dos golpes das ondas quebrando contra sua proa e se enterrando cada vez mais fundo sob metros de areia, como se fosse um submarino sem rumo nem noção.

O SS Monte Carlo foi o navio que se tornou um cassino flutuante, um lugar sem endereço fixo e que, graças às suas características excepcionais -como poder ancorar em águas internacionais- infringiu a Lei Seca que vigorou nos anos 30 oferecendo uma ampla gama de serviços que então eram ilegais, como o álcool, poker, jogos de mesa e bacará -entre outros- para toda sua clientela. O abandono dele tem sua explicação.

Jogando pelos mares

O Monte Carlo foi construído em 1921 com um nome diferente, SS McKittrick; um navio de 300 pés de comprimento projetado para servir como navio-tanque na Primeira Guerra Mundial. O conflito terminou antes dele ficar pronto, então o uso original não foi mais necessário. Depois de uma série de reformas, passou a navegar como petroleiro em várias companhias até que foi adquirido por um indivíduo que o rebatizou de SS Monte Carlo, e cujo nome era uma clara alusão a um dos bairros de Mônaco, famoso por seus cassinos.

Mas a legislação atual mudou em dezembro de 1933 e o fenomenal negócio ilegal de álcool acabou. Isso também atingiu o próprio navio, porque quando ele descansava feliz a três milhas da costa californiana -a distância que marcava a internacionalidade das águas- a tempestade decidiu pôr fim às suas aventuras. De vez em quando o Monte Carlo estendia os ferros sobre as ondas, numa espécie de tentativa desesperada de ficar na memória.

Quando “El Niño” faz uma de suas travessuras e retira as águas, como acontece -e aconteceu há pouco- fica exposto e lembra um castelo de areia infantil meio devorado pela investida da maré alta. É claro que as lendas não param nunca de brotar, como a que fala de um tesouro de cento e cinquenta mil dólares de prata que supostamente estava a bordo no momento do naufrágio.

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